INTRODUÇÃO
Uma exposição não pode
deixar de ser uma apologia, uma crítica e também uma confissão.
(Anônimo).
O
pastor e teólogo alemão, Dietrich Bonhoeffer, por expor suas ideias em oposição
ao nazismo, foi preso e morto num campo de concentração nazista. Quando preso,
em virtude de ter formação superior e ser reconhecidamente inteligente, foi
colocado junto com outros intelectuais (BONHOEFFER, 1988).
Nesse
período, Bonhoeffer procurou saber por seus companheiros de prisão o porquê de
o Evangelho não ser bem aceito por pessoas de nível intelectual mais elevado.
Considerando os mais variados motivos que possam demarcar a autonomia e
liberdade de cada pessoa tomar suas decisões, encontrou também como motivo a
questão da forma e do conteúdo. Ou seja, era notória a
significativa diferença entre o conteúdo do que se anunciava e a forma como se fazia tal proclamação e
como se vivia a mesma. Por conteúdo
pode-se entender como sendo a essência, aquilo que existe de mais puro e que
está em concordância com os fundamentos
da religião cristã, ou, sua “maravilhosa graça”, segundo definiu Yancey (2007):
“[...] O melhor presente do cristianismo ao mundo” (p.25). Mais especificamente
falando, são os princípios bíblicos, principalmente os do Novo Testamento, e que demonstram uma
observância aos ensinamentos de Jesus Cristo e também a toda a Bíblia, o livro
sagrado dos cristãos. Já por forma,
entende-se como sendo a roupagem, a qual pode ser traduzida como
tradições, costumes, culturas, regras, rituais, entre outros. Ou, até mesmo
como diria Jung (BENNET, 1985),
a persona. Quanto mais forte, rígida
e inflexível a forma, maior pode ser a distância para com o conteúdo.
De
acordo com Bonhoeffer, esta desmedida atenção à forma, em detrimento do conteúdo, tem feito com que pessoas não
consigam enxergar o Evangelho em sua proposta principal, a qual será abordada
no próximo capítulo.
Jesus
Cristo, em Sua peregrinação terrena, devido à Sua postura e missão, defendia
valores e conceitos que iam de encontro aos dos escribas e fariseus, defensores
de uma forma extremamente rígida e inflexível, os quais Ele também chamou de
hipócritas. Em determinado momento chegou a chamá-los de “sepulcros caiados”, expressão que
evidenciava o quanto estavam distantes da essência da sua própria religiosidade,
no caso o judaísmo. Em Marcos 7.6-9, Jesus disse o seguinte aos fariseus:
[...] Bem profetizou Isaías a
respeito de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os
lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.
Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E
disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a
vossa própria tradição.
Se
Bonhoeffer estivesse em nosso tempo ficaria estarrecido ao ver como essa
diferença se amplia a cada momento.
Trabalhei
para mostrar que quanto maior a distância entre forma e conteúdo,
maior a abertura para propagação de falsos conceitos e mandamentos humanos
sobre a Igreja de Cristo. Convém ressaltar que os falsos conceitos nada têm a
ver com doutrinas, pois, por mais que se diferenciem de uma denominação
evangélica para outra, possuem, nem todas é claro, argumentações bíblicas e
teológicas, que até certo ponto as fundamentam. Quero, no entanto, fazer menção
às interpretações desprovidas de uma boa exegese bíblica e adequada
interpretação teológica. Essas, sem base nas Escrituras Sagradas, põem a
organização igreja acima do valor humano, desqualificando sua natureza e seu
universo particular; mas não de forma genérica. Em um momento assim não podemos nos
esquecer de uma frase famosa de Gandhi: “No
vosso Cristo eu creio; eu não creio é no vosso cristianismo” (ARAÚJO FILHO, 1987, p.23).
Em
uma aplicação à psicologia da gestalt, podemos comparar forma e conteúdo
com figura e fundo. Ou seja, a figura é aquilo
que está na estampa, e o fundo o que está na essência e que, infelizmente, em
várias situações encontra-se escondido.
O
objetivo principal deste livro é elucidar que o distanciamento citado acima tem
trazido prejuízo aos cristãos evangélicos e, naturalmente, ao cristianismo, no
que se refere a uma divulgação empobrecida pela exagerada defesa e observância
da forma (figura) em desarmonia
com seu conteúdo (fundo).
Segundo os orientais, desarmonia é sinal de doença, justamente por estabelecer
um desequilíbrio entre o que está por fora e o que está por dentro. Entre o que
uma pessoa fala e o que verdadeiramente pensa e sente. É unânime a resposta
quando pergunto em algumas igrejas, onde faço minhas ministrações, se os presentes acham que a Igreja de hoje
encontra-se saudável. A resposta geralmente é “não”.
Alguns
desses religiosos se mostram resistentes em fazer rupturas ou promover mudanças
de paradigmas em suas formas, pensando que estas ameaçariam o conteúdo de sua
fé. Com isso, tornam-se inflexíveis, rígidos, fazendo defesas desprovidas de
argumentos bíblicos, teológicos e racionais, o que pode desencadear forte
tendência à hipocrisia e à demagogia. Esta postura não só favorece o surgimento
de falsos conceitos fortalecendo os mandamentos de homens, como também promove
um impacto negativo na Igreja de Jesus Cristo.
Ao
longo desta exposição, procurarei mostrar o quanto tem sido difícil para
pessoas sinceras, na busca por experiência religiosa, conviver e aceitar o
dualismo existente em cada ser humano; e que por mais forte e transformadora
que seja tal experiência, o homem continua sendo um ser limitado e imperfeito,
ou seja, um pecador. A conversão religiosa não anula a nossa humanidade. Quando
abordo acerca do dualismo existente em nós, refiro-me ao bem e ao mal, ou a
luta entre uma nova consciência (tendenciosa ao bem), com novos valores e a
natureza pecaminosa, imperfeita e tendenciosa ao mal, que parece que nunca se
converterá (e com certeza aqui nesta vida não irá). Seria o nosso lado
corruptível. A difícil harmonia entre humanidade e vida cristã tem favorecido
os mandamentos de homens devido a uma negação da primeira, e, consequentemente,
tem provocado o adoecimento e o esfriamento religioso.
Para
realizar este trabalho fiz uso de toda experiência adquirida como atuante no
contexto cristão evangélico na função de pastor e também das experiências obtidas
no campo da Psicologia. Foram úteis as experiências adquiridas em mais de vinte anos como pastor,
atuando no ensino e como capelão do Hospital Evangélico do Rio de Janeiro, onde
permaneci de março de 1989 a setembro de 1999. Além das adquiridas no curso de
especialização em Análise Transacional (202), nos anos de estudos na faculdade
de Psicologia e nas experiências obtidas na direção do INSTITUTO DE TREINAMENTO
DE LÍDERES (ITL), no qual ministro os seguintes cursos: CURSO SAÚDE EMOCIONAL E
VIDA CRISTÃ, A PERSONALIDADE HUMANA: COMO SE FORMA, COMO SE DEFORMA E COMO SE
TRANSFORMA (Uma Visão Bíblica e Psicológica) e TREINAMENTO EM CAPELANIA
HOSPITALAR E ESCOLAR. Em todos estes cursos, além dos seus respectivos temas,
também procuro abordar a identificação e a conscientização de como os
mandamentos de homens estão, em algumas circunstâncias, se sobrepondo aos
mandamentos de Cristo em Sua Igreja. De igual modo, como os mesmos se constroem
e como as expressões da forma podem sofrer
uma contextualização sem qualquer prejuízo ao seu conteúdo. Não poderia deixar de lado, é claro, as experiências obtidas
nos anos de atendimento psicológico em clínica.
No capítulo 2 você verá uma chamada em letra
maiúscula intitulada UMA PAUSA PARA A PSICOLOGIA: UM RECURSO NECESSÁRIO. É um
espaço que usarei para fazer uso de uma linha da psicologia chamada de Análise
Transacional. Creio ser interessante você compreender como
funciona esta abordagem. Ela é simples, interessante e de fácil assimilação.
Penso
que este trabalho poderá dar uma contribuição para os cristãos evangélicos,
visto que o mesmo se refere a uma pesquisa dentro deste contexto, e que procura
clarificar o quanto o cristianismo e os cristãos estão perdendo com uma prática
religiosa que tem contemplado bastante a forma
em detrimento de seu conteúdo.
Uma
exposição que por mais que contenha uma apologia, devido, naturalmente, a
difícil virtude da imparcialidade, e que se caracteriza principalmente por uma
crítica e uma confissão, poderá ser também útil ao meio científico. Haja vista
que minha identificação com a ciência da psicologia, não me deixa livre de uma
aplicação de seus conceitos. Nem poderia, pois a mesma também faz parte de
minha vida, numa busca pela harmonia entre a fé religiosa e sua prática, e a
credibilidade na ciência da psicologia, resguardando o devido direito e
autonomia da respeitosa crítica sincera e honesta a uma e à outra.
Gostaria
de abordar com maior profundidade o tema proposto, entretanto, preciso deixar
bem claro que o objetivo deste livro é identificar alguns dos mandamentos de
homens mais voltados para as questões psicológicas, dando origem a
comportamentos não saudáveis, e alguns de seus prejuízos, tanto para os
cristãos quanto para a Igreja de Cristo. Não pretendo encerrar tal assunto (nem
poderia ter tal pretensão), mas apenas iniciá-lo, permitindo-me o direito de
enfatizar, de maneira mais
específica em algumas outras obras já em andamento, alguns dos temas aqui
mencionados.