Fernanda Teixeira Ribeiro
Vivemos
por mais tempo e com melhor saúde do que há meio século, mas nem por
isso somos mais felizes. Apesar das inúmeras opções de diversão, maior
poder de compra e, aparentemente, de escolha, estamos cada vez mais
insatisfeitos: a depressão será o problema de saúde pública mais comum
do mundo em menos de 20 anos; 350 milhões de pessoas de todas as idades
sofrem com o transtorno no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS). Atualmente, a depressão é vista como resultado da combinação de
fatores endógenos (como hereditariedade) e fatores de risco ambientais,
como valores culturais e experiências emocionais. Os sintomas se
configuram de maneira diferente em cada paciente, de forma que não há
tratamento definitivo. “Seria muito simples pensar a depressão apenas
como resultado da maior ou menor oferta de neurotransmissores. É mais
correto relacioná-la à interação desses agentes químicos – serotonina,
dopamina, glutamato, e tantos outros. São vários caminhos neurais
diferentes que, juntos, determinam cognição, interesse, vontade”,
explica o psiquiatra Ricardo Moreno, diretor do Grupo de Estudo de
Doenças Afetivas (Gruda) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de
São Paulo (USP), em palestra no seminário “Depressão”, promovido em
setembro por Mente e Cérebro na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em
São Paulo, com patrocínio da Apsen Farmacêutica.
A
depressão se distingue da tristeza pela duração de seus sinais e pelo
contexto em que ocorre. Por exemplo, é natural sentir-se triste e sem
perspectivas após a morte de um ente querido, perda do emprego ou
término de um relacionamento. Períodos de luto, de elaboração de
experiências desagradáveis, acontecem na vida de qualquer pessoa e,
normalmente, são superados – apesar de, atualmente, termos cada vez
menos tempo e espaço para vivenciar a tristeza. Na depressão, porém,
essa à sensação é duradoura. “Humor depressivo por mais de duas semanas,
incapacidade de sentir qualquer prazer, tendência a sobrevalorizar
eventos negativos são alguns dos sinais emocionais. Também há sintomas
físicos, como problemas de sono, falta de apetite e dores difusas”, diz
Moreno.
NEUROCIÊNCIA DO SOFRIMENTO
Dor e depressão têm uma via
neuroquímica comum. Em média, pessoas com sintomas depressivos procuram
atendimento médico sete vezes mais que quem não tem o distúrbio, segundo
a OMS. Menos da metade delas é diagnosticada corretamente e recebe
tratamento adequado. “Queixas de dor crônica não raro estão no centro de
um ‘círculo vicioso’de depressão, ansiedade, estresse e insônia”,
explica o psiquiatra Kalil Duailibi, coordenador de psiquiatria da
Universidade de Santo Amaro (Unisa). A literatura médica sugere que
noradrenalina, neurotransmissor envolvido na regulação do humor, do
ciclo de sono e na resposta de estresse, desencadeia eventos em cascata,
que se manifestam em ansiedade, no início e, depois, em depressão. Mais
de 60% dos episódios depressivos são precedidos por quadros de
ansiedade, e a insônia crônica aumenta quatro vezes o risco de
depressão. Já o estresse crônico leva à diminuição do fator de proteção
neuronal, afetando a ramificação dendrítica dos neurônios.
Consequentemente há morte de células e redução do volume – atrofiamento –
de regiões cerebrais.
Estudos
com a tecnologia de neuroimageamento apontam que, na depressão, há
redução de atividade em áreas corticais, como córtex cingular anterior,
área associada a funções como modulação de respostas emocionais,
motivação e atenção. Em contrapartida, há maior metabolismo de áreas
mais “primitivas” do cérebro, como a ínsula, -relacionada à sensação de
repulsa, e do sistema límbico como um todo, com amplo papel no
processamento de emoções negativas. De fato, um dos principais traços da
depressão é uma maneira “acinzentada” de interpretar o mundo, que
prioriza as perspectivas negativas. Duailibi cita o fenômeno Kindling na
depressão: um evento estressor significativo desencadeia o primeiro
episódio. Progressivamente, os quadros passam a ser desencadeados por
eventos menos intensos ou mesmo sem motivo; é uma espécie de
suscetibilidade crônica, que envolve alterações cerebrais, muitas ainda
não elucidadas, e estímulos ambientais.
O
tratamento mais comum, e de mais fácil acesso, ainda é o farmacológico.
Os medicamentos costumam trazer alívio para pacientes com sintomas
moderados ou graves, que geralmente apresentam prejuízos no trabalho e
na vida pessoal. Em depressões leves, a eficiência dos antidepressivos é
menos nítida: eles têm desempenho equivalente ao placebo (substância
neutra, mas que pode desencadear efeitos psicológicos). “A remissão, a
ausência total de sintomas, é importante para combater essa
vulnerabilidade. Se os medicamentos ajudam a superar um episódio
depressivo, a psicoterapia ajuda a evitar outros”, diz Duailibi.
O
tratamento mais comum, e de mais fácil acesso, ainda é o farmacológico.
Os medicamentos costumam trazer alívio para pacientes com sintomas
moderados ou graves, que geralmente apresentam prejuízos no trabalho e
na vida pessoal. Em depressões leves, a eficiência dos antidepressivos é
menos nítida: eles têm desempenho equivalente ao placebo (substância
neutra, mas que pode desencadear efeitos psicológicos). “A remissão, a
ausência total de sintomas, é importante para combater essa
vulnerabilidade. Se os medicamentos ajudam a superar um episódio
depressivo, a psicoterapia ajuda a evitar outros”, diz Duailibi.
Terapias
complementares e hábitos saudáveis que combatem o estresse ajudam a
prevenir a volta dos sintomas: acupuntura, massagem, atividade física,
alimentação rica em nutrientes e pobre em gordura animal.
Recentemente,
o Conselho Federal de Medicina aprovou a técnica de estimulação
magnética transcraniana (EMT) superficial. O tratamento consiste em
aplicar ondas eletromagnéticas sobre o cérebro, com o objetivo de
modular o funcionamento de regiões (determinadas por exames de
neuroimageamento) que operam de forma alterada em pessoas com
transtornos neuropsiquiátricos. As ondas eletromagnéticas aumentam o
fluxo sanguíneo na área e, consequentemente, sua atividade cerebral.
“A
área do cérebro a ser trabalhada é marcada numa touca e o médico
direciona os estímulos para o local correto. A EMT pode ajudar pacientes
que não respondem ao tratamento medicamentoso, acelerar a resposta a
ele ou mesmo ser uma alternativa”, explica Marco Marcolin, coordenador
do Serviço de Estimulação Magnética Transcraniana do Hospital das
Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). O tratamento é indolor,
pois é não invasivo, não há corte nem anestesia. Um estudo observacional
publicado em junho de 2012 na Depression and Anxiety, que
acompanhou 307 pacientes com depressão grave que não estavam sendo
tratados com antidepressivos, aponta que a EMT é eficaz para pacientes
que não respondem aos medicamentos: em média, 58% apresentaram redução
dos sintomas, e 37% remissão (ausência de sintomas).
EXERCÍCIO DE AUTOCOMPAIXÃO
Cada vez mais estudos comprovam o impacto positivo da meditação sobre o humor. Uma pesquisa brasileira, publicada na Neuroimage,
mostra que a técnica melhora o desempenho cerebral, especialmente em
tarefas que exigem concentração. “O cérebro de pessoas que meditam
recruta menos áreas cerebrais para realizar uma determinada tarefa, como
se fizesse uma maior ‘economia’, o que se traduz em mais foco e
concentração; um desafio no mundo cheio de estímulos em que vivemos”,
diz a psicobióloga Elisa Kozasa, do Instituto do Cérebro do Hospital
Israelita Albert Einstein, autora do trabalho.
O
cérebro de pessoas com depressão está “habituado” a processos
cognitivos que desencadeiam o problema, como pensamentos depreciativos
sobre si mesmas. A meditação ajuda o paciente a se conscientizar de
emoções, fantasias, lembranças e situações que passam por sua mente
consciente. Atualmente, cientistas estão comprovando os benefícios da
terapia cognitivo-comportamental (TCC) baseada na atenção plena (MBCT, mindfulness-based cognitive therapy),
isto é, o uso de técnicas de meditação para potencializar os efeitos da
terapia comportamental. “É um programa de oito semanas que ajuda o
paciente a perceber os velhos hábitos de pensar que atiram sua mente em
uma espiral descendente de pensamentos negativos. Ele aprende a ser mais
gentil consigo mesmo a atentar para os aspectos positivos de seu
cotidiano, exercitando o julgamento baseado na autocompaixão”, explica
Elisa, citando o dalai-lama Tenzin Gyatso: “A mente é como paraquedas:
funciona melhor aberta”.